sábado, 2 de outubro de 2010

Isabel Duarte - Apresentação

Neste lugar podia estar o meu curriculum numa versão espartilhada, mas com a idade que tenho e a pouca paciência que me resta para vénias, já não reconheço a valia ou utilidade de espartilhos.
Nasci em Lisboa, no dia 28 de Março de 1954.
Sou do tempo da língua portuguesa pré-A.O. e dos eléctricos com bancos de palhinha. Frequentei a escola primária da Voz do Operário, na velha Villa Cândida, junto a Sapadores. Lembro-me bem do cheiro da fruta desses tempos.
Aprendi uma sexualidade incipiente mas feérica à custa das proibições de contacto de género vividas no Liceu estritamente feminino, D. Filipa de Lencastre. Aí fui parar por um engano da sorte, quando tudo indicava que o meu futuro seria consumido em lume brando ao lado da minha mãe, então costureira por necessidade. Mas a minha mãe reservava-nos um presente magnífico. Dizia: Se tivermos que lavar escadas, não nos caem os parentes na lama! Adaptámos o aforismo e aprendemos ambas a subir as escadas que laváramos ao descer.
Em estado de emaravilhamento, consumi os escritos de António Vieira, quando, no Liceu, me obrigavam a ler os Maias, mas só aos 30 anos li Camilo com gosto. Conheço pessoalmente um dos maiores poetas portugueses vivos, facto essencial de que nem todos se podem gabar.
Por mim, poderia ter sido Arquitecta. Quer dizer, acho que o que eu sou é Arquitecta. Mas licenciei-me em Direito, a trabalhar como dactilógrafa e já mãe de família. A vida portuguesa a condizer.
Semeei batatas, fiz vindima e pisei uvas, plantei árvores e flores, mas à parte a construção de sonhos de felicidade colectiva e o cultivo de uma feroz aversão à desconfiança, à inveja, à normalização e ao medo, importantes, no meu curriculum, são mesmo os meus 3 filhos e algumas alegrias que tenho dado a quem me procura como profissional.
Gosto das pessoas porque são rendas de bilros. É por elas que, afinal, tenho sido Advogada.
Não compreendo os moralismos e menos ainda os corporativismos, daí que não defenda “os advogados”. Mas também sei que a nossa profissão não tem paga. Nenhuma paga existe para a entrega quase total que ela implica.
Termino dizendo que pertenço a uma geração várias vezes avisada de que o mundo, em breve, em breve, irá acabar. Somos, sim, controlados q.b., mas às vezes há surpresas.

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